A um barman
Para ser sincero, não tinha saído do hotel com a intenção de ir jogar, em boa verdade não sou um afortunado da sorte, não costumo jogar nem a feijões e os casinos a mim nada me dizem, mas, não querendo ser desmancha prazeres, lá entrei com eles.
Após uma visita demorada e já um pouco impaciente disse:
- Sinto-me melhor em pagar-lhes umas bebidas, do que gastar aqui dinheiro sem nenhum intuito.
Através do barulho incomodativo das máquinas, ouvi alguém dizer:
- Se é para pagares, vamos lá a essas bebidas.
Voltámos à rua, agora, completamente deserta e de bares nem sombra deles, bastante cansados e sem darmos conta, fomos andando em direcção ao hotel.
Já no interior do hotel, sequioso, voltei à carga:
- Então pessoal e as bebidas?
Resposta imediata.
- Vamos ao bar do hotel.
A surpresa estava ainda para vir, quando chegados ao bar, ouvimos:
- Lamento, mas o bar já encerrou – respondeu respeitosamente o barman.
- Tenha paciência, mas não nos pode negar uma bebida, só uma, principalmente a esta gente boa e cansada e para provar o que lhe digo, como terminou o serviço, celebrize este momento também connosco – apressei-me a responder.
- Bem, não sei porquê, mas, estou com gente diferente – respondeu o barman, ainda a analisar a situação.
Sentámo-nos nas cadeiras do balcão, junto ao bar, enquanto o barman anotava os pedidos.
Começou a falar que tinha muitos anos de serviço, sempre como barman, tinha servido nos melhores hotéis e bares do país, que este ano se reformava, para além de que, na sua longa carreira profissional tinha ganho diversos prémios e superintendido como júri diversos concursos nacionais e internacionais.
Para meu espanto, acrescentou:
- O bar é tão grande, no entanto algumas pessoas procuram o contacto directo com o barman, estão neste caso as que se sentam nos bancos do balcão.
- Sabe, necessitam desesperadamente de conversar, por isso não escolhem os outros assentos da sala.
De facto, percorrendo o olhar pela sala, eu próprio pude constatar que era enorme, não sendo, por isso, necessário, ficar com o nariz colado ao barman. Para mal dos meus pecados, exactamente como nos encontrávamos sentados.
- Espere, estas pessoas têm responsabilidades grandes “lá fora” e um quotidiano difícil, estão a procurar desfrutar estes momentos de companheirismo – adverti eu, sentindo-me pouco confortável com a situação.
O nosso barman atalhou de imediato, retorquindo:
- Se concordarem vou preparar-lhes uns cocktails famosos – alguns premiados – especialmente para comemorarem e vamos tornar esta noite inesquecível.
Trocámos umas palavras, suficientes, para um de nós responder:
- Esqueça os nossos pedidos, tem carta branca, venham de lá essas bebidas famosas, na condição de se juntar a nós, pois temos todo o prazer que comemore também os seus longos anos de serviço, estimaríamos felicitá-lo pela sua reforma.
- Faço melhor, já nada tenho a perder, vou ensinar-lhes como se preparam alguns cocktails – respondeu o barman.
À medida que ia preparando os ingredientes e ensinando a razão das misturas, retomou a conversa, dizendo-me que era possível que eu não acreditasse que o bar fosse o verdadeiro confessionário da vida.
- Ao barman, as pessoas em desespero de causa, contam praticamente tudo das suas vidas e sempre muito mais do que, alguma vez, irão contar ao juiz, padre, psicólogo, pai ou mãe – disse com ar pensativo.
- Acredite, que o verdadeiro confessionário é aqui e não noutro local qualquer do mundo – assegurou-me, apontando para os bancos.
- Garanto-lhe, que já safei alguns da “forca” e tive estranhas propostas de formosas senhoras.
Tocou ao piano “Prelude of Raindrop” de Frédéric Chopin, veio-me à memória, que este trecho foi composto numa ilha (que coincidência, meu Deus!).
Reconheço que, pela sua força, pelo conhecimento, pelos seus anos de experiência, pelo momento único, pelas suas sábias palavras, não tenho razões para duvidar do que me confidenciou, como não duvidei quando nos disse, todos nós sentimos, que aquela noite seria especial…