segunda-feira, maio 15, 2006

O que sentimos III

Quando deixo de tornar o outro responsável pelo que eu sinto, pelo que não está bem em mim, pelo que me acontece, apercebo-me que a perspectiva que eu tinha, como sendo um conflito exterior, é antes, um conflito interior, uma ambivalência. Assim, será então necessário aplicar bastante esforço para nos conhecermos a nós próprios, as nossas mutações e as nossas constâncias, visto, ser uma obra sempre em construção, mas, com a certeza, que ao manter um olho aberto no nosso interior irá permitir percepcionar mais longe...
Será ainda necessário identificar os limites de intolerância e de vulnerabilidade, zonas de imaturidade que, perante certos actos, certos comportamentos, fazem com que vivamos o equivalente a uma ferida ou um envenenamento. Estes pontos fazem eco das nossas carências, geralmente situadas bem longe, no passado, revivem, apoiam-se, ganham força e expressão em situações inacabadas e em que mantivemos o desejo, o sonho de completude. Deste modo, quantas humilhações ou frustrações continuam a transpirar suor, gota a gota, à superfície do comportamento, na tentativa de encontrar uma reparação, justificação ou realização, porque, e nem sempre disso temos consciência, os sentimentos são crianças frágeis, que precisam de cuidados constantes...
Ao reconhecermos os nossos sentimentos, cada vez mais depressa, na sucessão das nossas sensações, podemos escolher, podemos tentar gerir melhor o que eles provocam, isto é, aceitamos o confronto sem reservas com as nossas emoções, tomando o compromisso de fazermos sempre algo com elas.
Ao prestarmos mais atenção, ao ouvi-los de uma forma vigilante, perspectivamos melhor os sentimentos que nos engrandecem ou os ressentimentos que nos sufocam.

terça-feira, maio 02, 2006

O que sentimos II

A perspectiva na contínua transposição de responsabilidade do que sinto, daquilo que vivo, daquilo que me acontece, vai possivelmente levar-me a uma armadilha relacional muito frequente: a tentativa de mudar o outro.
Este desejo, profundo, que o outro mude, para que finalmente possamos estar melhor, de forma a terminar o nosso sofrimento e o nosso mal-estar, parace tão lógico, tão evidente, que se torna ilusoriamente numa das nossas aspirações mais legítimas, mas, efectivamente, na realidade, a mais frustante.
A tentação de mudar o outro, de começar a vida pelo outro é uma tarefa gigantesca, demonstrando, ainda, uma grande habilidade para as chamadas relações fictícias, evitando, assim, reconhecer:
- em mim: o que para mim representa o que vivo, o que me acontece;
- no outro: os seus próprios sentimentos, o que ele vive, o que lhe pertence.
Esta atitude, impede-me frequentemente de ver as minhas próprias falhas, como minhas, e, cria uma situação, quase sempre, recíproca.
Estes comportamentos quando recíprocos, levam a que cada um tente resolver os seus próprios dilemas, pedindo ao outro que modifique as suas expectativas e os seus desejos.
Tentar exercer influência nos desejos e expectativas, parece ser uma das nossas utopias mais arcaicas. A tarefa gigantesca que resulta no esforço para mudar o outro, para o sentido que mais me convém, está condenada ao fracasso, na maioria dos casos, carregada de violência surda e ódio reprimido...